Introdução
Os estudos com cerejas mostram seus altos níveis de compostos bioativos e que foram comparados, favoravelmente, com outros alimentos funcionais. As cerejas doces e azedas contribuem para a ingestão de fibra dietética e contêm altos níveis de antioxidantes como melatonina, carotenóides, hidroxicinamas e vários grupos flavonóides, incluindo antocianinas e quercetina. Por isso, esse suplemento nutricional natural pode ser utilizado para o auxílio no tratamento de doenças crônicas inflamatórias e hematológicas, cânceres, doenças cardiovasculares e diabetes.
As pesquisas para seu uso no exercício também têm sido crescentes, visto que a capacidade de recuperação rápida e eficiente após a atividade física é importante para os atletas. Diversos estudos demonstraram a redução do estresse oxidativo, o que poderia refletir na diminuição da inflamação e positivamente na recuperação. Mas há uma preocupação quanto à possibilidade de diminuição da resposta adaptativa ao exercício, já que essa resposta depende do processo inflamatório pós-exercício.
Função muscular
O rompimento das estruturas musculares durante o exercício leva a uma cascata de eventos que resulta em comprometimento da função muscular. Ações musculares excêntricas, particularmente proeminentes em corridas de declive, pliometria e exercícios repetidos baseados em sprints repetitivos são fontes de estresse mecânico que causam danos musculares primários e subsequente cascata inflamatória secundária e função muscular prejudicada.
O consumo de 237ml de suco de cereja (contendo de 50 a 60 cerejas azedas por porção) mostrou-se eficaz ao acelerar a recuperação de atletas num estudo em que consumiram o suco 4 dias antes, no dia do teste e 4 dias após o teste de exercícios excêntricos e isométricos.
Os compostos bioativos do suco de cereja não previnem o dano primário, mas sim o estresse oxidativo e a inflamação, que são os danos secundários. Parece que a suplementação de antioxidantes pode atenuar a resposta proteolítica e lipolítica, diminuindo a subsequente cascata inflamatória secundária, além disso, os antioxidantes lipossolúveis podem estabilizar as membranas musculares através de sua ação com os fosfolipídios de membrana.
Estresse oxidativo
O exercício aumenta a produção endógena de radicais livres alterando a relação pró-oxidante/antioxidante ou balanço redox. Essa alteração pode resultar em decréscimo no desempenho celular e um consequente decréscimo no desempenho físico.
No entanto, um aumento moderado na produção de radicais livres pode ser benéfico ao músculo em exercício; mas os níveis excessivos reduzem a função muscular. E esse excesso de produção de radicais livres parece ocorrer apenas nos exercícios exaustivos, de alta intensidade ou duração prolongada. Portanto, atenuar esse dano com suplementação antioxidante tem recebido atenção na literatura.
Um estudo com atletas de maratona mostrou uma redução nos parâmetros que medem o estresse oxidativo. Os participantes foram suplementados duas vezes ao dia por 120 horas antes e 48 horas após a maratona com o suco de cereja azeda.
O mecanismo pelo qual as cerejas exercem seu efeito protetor contra o estresse oxidativo não é claro e requer mais investigação.
Inflamação
O uso de uma estratégia de suplementação antioxidante para limitar a inflamação após o exercício pode ser um resultado desejável para manter a função muscular e atenuar a dor. No entanto, é importante lembrar que a resposta pró-inflamatória ao exercício é necessária para a ressíntese proteica. Além disso, o aumento na inflamação sistêmica e no estresse oxidativo são necessários para obter benefícios nas adaptações fisiológicas ao treino ou exercício.
Dor
Nas horas e dias após atividades físicas intensas, a dor muscular é relatada regularmente em exercício fortemente excêntricos. Nesses tipos de atividade física, a dor muscular aumenta nas 24 a 96 horas pós exercício, com pico de dor ocorrendo geralmente entre 24 e 48 horas. A origem exata da dor não está estabelecida, entretanto, é concebível que esteja relacionada à inflamação da área circundante.
Parece que pode haver um efeito benéfico de suco de cereja e antocianinas de cereja na dor pós-exercício. No entanto, os resultados não são consistentes na literatura, deixando margem para novas pesquisas investigarem os efeitos analgésicos das cerejas e seu possível mecanismo.
Estratégias de dosagem
O mecanismo pelo qual as cerejas exercem seus efeitos protetores, a biodisponibilidade das antocianinas da cereja e o tempo que permanecem no corpo ainda não são claros e, como resultado, é difícil prescrever definitivamente uma estratégia de dosagem. Mas em geral, os estudos de biodisponibilidade sugerem que o volume de antocianina por suplemento não deve exceder 380 mmol (322,7 mg) e a duração da suplementação varia no intervalo de 7 dias antes do exercício a 4 dias pós-exercío.
Em relação à frequência e ao momento da dosagem, parece provável que a suplementação deva começar antes da exercício, embora nos estudos não esteja claro se a dosagem pré ou pós-exercício por si só proporcionaria diferenças nos resultados. Apesar disso, a suplementação de cereja mostrou um grau de eficácia em todos os paradigmas de exercício e recuperação, independentemente da fase de carga ou dosagem pós-exercício. Resta esclarecer se tais fases prolongadas são necessárias para obter os efeitos associados.
Concentração de antocianina em diversos sucos de frutas
Aplicação clínica
A inflamação e o estresse oxidativo estão associados a inúmeras patologias, como câncer, doenças cardiovasculares, diabetes, artrite e aceleração do processo de envelhecimento, no entanto, a capacidade anti-inflamatória e antioxidante das cerejas pode auxiliar no tratamento dessas patologias.
Além disso, trabalhos recentes mostraram resultados positivos da suplementação de cereja no manejo do sono, uma vez que as cerejas Montmorency contêm grandes quantidades de melatonina, um composto fortemente associado à regulação do ciclo sono-vigília. Isso se torna importante num contexto de exercício, visto que a ruptura crônica do sono é associada à estimulação de respostas inflamatórias, o que pode aumentar o risco de vários distúrbios crônicos, como aterosclerose, diabetes mellitus, doença de Crohn e artrite reumatóide.
Perspectivas
Os efeitos benéficos da cereja e seus constituintes parecem promissores e são apoiados por um corpo crescente de evidências sobre sua eficácia. Além disso, nenhum efeito negativo tem sido relatado. Em resumo, as cerejas parecem fornecer uma opção eficaz para auxiliar na recuperação do exercício, e, possivelmente, há uma maior importância no potencial para aplicação em patologias clínicas.
E na prática? Ponto de Vista 449
Aproximadamente há uns 2 anos prescrevemos a suplementação de Tart Cherry, já que a cereja só é comum no Brasil na época do Natal.
A percepção de benefício na recuperação não é unanimidade, apesar de resultados animadores nos estudos.
Uma alimentação equilibrada e estratégias nutricionais adequadas antes, durante e depois do treino devem ser sempre a preocupação antes do investimento numa suplementação para recuperação.
E se você tem disponível a cereja in natura, "abuse" dessa frutinha! Se não trouxer benefícios para sua recuperação, com certeza pra saúde trará!
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Artigo analisado pela estagiária Marina Senhorinho (1º semestre/2018)
Review - The role of cherries in exercise and health; The Scandinavian Journal of Medicine Science in Sports, 2014.
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Entre 2011 e 2018 fomos Ponto de Estágio Curricular para os alunos do último semestre do Curso de Nutrição da Universidade de Brasília (UnB).
Por opção da 449 esse ciclo foi encerrado no 2º semestre de 2018.
Ciência com Consciência foi um atividade de estágio em que os estagiários analisavam um artigo científico com uma visão crítica para a prática do Atendimento Nutricional.
Realizamos essa atividade durante 3 semestres (2º semestre de 2017 até o 2º semestre de 2018).