Ciência com Consciência


Dietas "low carb & high fat" ajudam na performance?



INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a ciência havia favorecido dietas com alto teor de carboidratos e baixo teor de gordura (HCLF) como promotoras de saúde. Esta posição levou a maioria dos países do mundo a emitir orientações dietéticas a favor da redução gordura dietética e aumento da ingestão de fibras e isso aumentou o conteúdo de carboidratos na dieta à custa da gordura. Apesar disso, o excesso de peso e a obesidade vem aumentando entre adultos em todo o mundo em paralelo com diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.

Enquanto isso, a eficácia de dietas com baixo teor de carboidrato (LCHF) vinha sendo estudada na perda de peso e em fatores de risco metabólicos. Uma questão menos explorada é se as dietas LCHF podem exercer efeitos benéficos sobre o exercício e o desempenho atlético. Apesar de ir contra a tradição de que atletas necessitam de ingestão de carboidratos elevados para manter os músculos cheios de glicogênio, a eficácia das dietas LCHF foi explorada em vários esportes. Está emergindo evidência científica de que as dietas LCHF podem pelo menos manter, se não melhorar, o desempenho de resistência ao mesmo tempo que melhora a composição corporal comparada às dietas HCLF. Esse estudo visa mensurar justamente isso.

DIETAS LCHF
Conhecida também como dieta cetogênica, geralmente contém menos de 20% da energia vinda de carboidratos, mais de 50% da energia da gordura, e quantidades variáveis de proteína. Dietas LCHF geralmente conduzem ao estado de cetose quando o fígado oxida altas concentrações de ácidos graxos não esterificados (NEFA) transformando-os corpos cetônicos. Embora o cérebro prefira a glicose como principal fonte de energia, ele pode metabolizar os corpos cetônicos como combustível por longos períodos de tempo durante a fome e a hipoglicemia. Músculos e outros órgãos também são capazes de oxidá-los como fonte alternativa de energia quando o fornecimento de carboidratos é limitado. O oxaloacetato é um fator limitante para a oxidação da gordura após vários dias de dietas LCHF por falta de disponibilidade de glicose, logo, o consumo diário entre 1,3 a 2,5 g / kg de proteína é necessária para garantir a manutenção de massa muscular, gliconeogênese e oxidação de gordura. Muitos estudos mostraram que essa dieta ao longo de meses ou anos não leva a desequilíbrios metabólicos ou efeitos adversos graves desde que forneça energia suficiente e quantidades adequadas de proteína.

Uma das aplicações mais populares das dietas LCHF é na redução de peso. Várias avaliações sistemáticas e meta-análises têm mostrado que dietas LCHF à longo prazo combinadas com déficit energético é mais efetivo do que, ou pelo menos tão eficaz quanto, dietas HCLF. Essa estratégia pode ser eficaz para esportes que precisam de baixos pesos ou perdas bruscas de peso.

Um estudo cruzado revelou que depois de 4 semanas de dieta LCHF, o peso corporal e massa gorda foram significativamente diminuídos em ciclistas offroad bem treinados. E outro estudo com um dieta hipocalórica LCHF ou HCLF por 3 semanas resultou em diminuições similares no peso corporal e massa gorda em atletas escolares de taekwondo.

Em estudos que utilizavam dietas hipocalóricas com o objetivo de induzir perda de peso em pessoas com sobrepeso ou obesidade, as dietas LCHF e HCLF resultaram em graus semelhantes de perda de peso. Um estudo que incentivou sujeitos eutróficos a consumir energia adequada para manter peso corporal, uma dieta LCHF levou a um aumento significativo da massa livre de gordura, enquanto uma dieta ocidental não mudou a composição corporal.

Poucos estudos investigaram os efeitos da combinação entre treinos de força (musculação) e dietas LCHF na composição corporal. Um estudo com mulheres com sobrepeso sugeriu que uma dieta reduziu o peso corporal e a massa gorda, enquanto com um carboidrato mais alto aumentou massa livre de gordura, mas manteve a massa gorda. Além disso, uma dieta LCHF levou a um aumento da taxa de síntese proteica muscular. Portanto, é possível que as dietas LCHF, em combinação com treinamento de resistência, podem manter a massa livre de gordura enquanto recebe o benefício da perda de massa gorda e peso corporal.

ENDURANCE
É sabido que a taxa máxima de oxidação de gordura é atingida na intensidade moderada do exercício, sendo isso correspondente à 59-64% do VO2 máximo em indivíduos treinados e 47-52% do VO2 máximo na população em geral.

A disponibilidade de Ácidos Graxos Não Essenciais (ACNE) é um dos fatores para mensurar a oxidação de gordura durante o exercício. Em 80% do esforço máximo, a utilização de ACNE é 30% menor do que em 65% do esforço, pois o músculo utiliza mais glicogênio nesse caso. Elevar a concentração plasmática de ACNE por infusão de ácidos graxos de cadeia média ou longa aumenta significativamente a taxa de oxidação de gordura durante o exercício de 40 a 80% do VO2 máximo, isso sem alterar a resistência ao exercício. Entre outros fatores que podem aumentar essa oxidação estão o maior transporte de ácidos graxos através da membrana mitocondrial e o pool de carnitina.

Porém, as diretrizes atuais para atletas são ricas em carboidratos. Isso pois na ausência à longo prazo para essa adaptação, a redução do conteúdo de glicogênio muscular em dietas LCHF leva a hipoglicemia, prejudicando a resistência e aumentando de fadiga.

No entanto, a resistência, medida por testes de tempo, foi mantida em ciclistas de elite quando o glicogênio muscular foi restaurado com uma dieta de 1 dia com alto teor de carboidratos após 5-6 dias de uma dieta LCHF. Mesmo assim o consumo à curto prazo de uma dieta LCHF resultou em uma taxa de oxidação de gordura significativamente maior, sendo esta de 0,7 para 0,8 g / min, e uma menor taxa de oxidação de carboidratos de 2,3 para 2 g / min durante o exercício à 70% do VO2 máximo nestes atletas de resistência em comparação com aqueles que consumiram uma dieta HCLF durante o período de estudo.

Adaptação à longo prazo às dietas LCHF produz benefícios metabólicos ainda maiores,incluindo uma maior taxa de oxidação de gordura e menor taxa de oxidação de carboidratos e glicogenólise. Atletas de resistência adaptados às dietas da LCHF por 9-36 meses podem chegar à taxa máxima de oxidação de gordura de aproximadamente 1,5 g / min a cerca de 70% de VO2 máximo segundo um estudo de 2016, sendo esse valor maior que o que os atletas de resistência consumindo muito carboidrato já relataram (~ 1,0 g / min).

Outro estudo relatou ampla diminuição na taxa de oxidação de carboidratos (de 15,1 para 5,1 mg / kg / min) e utilização de glicogênio muscular (de 0,61 para 0,13 mmol / kg / min) sem comprometer o tempo para exaustão em intensidade, isso em ciclistas treinados que aderiram à uma dieta LCHF por 4 semanas. Embora esses atletas tivessem níveis mais baixos de glicogênio muscular em repouso consumindo uma dieta LCHF, o nível pós-exercício de glicogênio muscular era semelhante ao valor anterior da intervenção dietética.

Surpreendentemente, um estudo recente de 2016 revelou que os atletas de ultra-resistência que tinha consumido dietas LCHF (<20% de energia do CHO,> 60% da gordura) por pelo menos 6 meses atingiram uma maior intensidade no pico de exercício do que os atletas na dieta HCLF. Esses atletas adaptados a gordura também apresentaram maior taxa de oxidação de gordura e uma oxidação menor de carboidratos durante o exercício à 64% do VO2 máximo. Eles também apresentaram conteúdo similar de glicogênio muscular em repouso e imediatamente após uma corrida de 3 horas à 65% do VO2 máximo. Vale ressaltar que a ressíntese de glicogênio durante a recuperação 2 horas pós-exercício permaneceu a mesma em ambos os grupos, mesmo o grupo LCHF consumindo apenas 5% de carboidratos, enquanto o grupo HCLF consumiu 50% de carboidrato durante esse período. Este estudo indicou que os atletas de resistência poderiam manter o conteúdo normal de glicogênio muscular, sua utilização e ressíntese após adaptação à longo prazo à dieta LCHF. Supõe-se que os atletas adaptados à LCHF podem ser capaz de manter maior intensidade de exercício relativo durante a maior parte da distância, preservando glicogênio muscular para sprints na fase final de suas competições.

EXERCÍCIOS DE ALTA INTENSIDADE
Exercícios acima de 70% do VO2 máximo requerem energia significativa do metabolismo anaeróbico, sendo que estes utilizam principalmente energia de creatina-fosfato e glicólise. Portanto, uma elevada oxidação de gordura após à adaptação a uma dieta LCHF é improvável.

Em muitos esportes de campo e quadra, como o futebol, rugby, basquete e hóquei, a necessidade de executar vários sprints na velocidade mais alta após um breve descanso é crucial para o desempenho do jogo. Embora um único sprint dependa principalmente do metabolismo anaeróbico, repetir esses sprints aumentam significativamente a demanda pelo do metabolismo aeróbico durante os estágios posteriores do exercício. Por exemplo, em um estudo que fez com que a amostra realizasse 10 sprints de 6 segundos separados por 30 segundos de descanso, o metabolismo anaeróbio proporcionou a maior parte da energia no primeiro sprint, mas caiu para aproximadamente 60% no último sprint.

Um estudo demonstrou que ginastas de elite mantiveram repetições máximas de flexões, barra e paralelas após 30 dias de uma dieta LCHF, enquanto isso também reduziu significativamente o peso corporal e a gordura. Em outro estudo, combinando uma dieta LCHF por 3 semanas com uma restrição de energia de 25%, houve uma perda de massa corporal magra porém houve um comprometimento do desempenho anaeróbico.

FADIGA CENTRAL
Alterações no uso do combustível durante o exercício após a adaptação a uma dieta LCHF pode afetar a oferta de aminoácidos para o cérebro, o metabolismo energético e a neurotransmissão. O aumento da taxa de oxidação da gordura durante o exercício depois da adaptação a uma dieta LCHF provavelmente aumenta a absorção cerebral de triptofano livre. O triptofano livre é o precursor de serotonina, um neurotransmissor cerebral associado à sensação de letargia e cansaço que podem contribuir para a perda do impulso central e motivação. A maior absorção do triptofano livre pelo cérebro foi relatado por favorecer a síntese de serotonina e contribuir para a fadiga em um estudo. O alto teor de proteínas das dietas LCHF também levam à elevação da produção de amônia durante o exercício. A amônia é outra fator que poderia induzir a fadiga central, alterando o metabolismo energético cerebral e a neurotransmissão, afetando os caminhos de sinalização neural. Um estudo piloto com adultos não treinados que consumiam uma dieta hipocalórica LCHF por 2 semanas sugeriu que aumento da concentração sanguínea de corpos cetônicos estava associado com a sensação de fadiga e perturbação do humor durante o exercício submáximo.

EFEITOS NA PERCEPÇÃO DE FUNÇÕES COGNITIVAS E MOTORAS
A capacidade de antecipar melhor os movimentos do oponente, planejar as estratégias apropriadas e ativar o sistema musculo-esquelético para executar as ações necessárias é o que separa especialistas de não especialistas em muitos esportes. Essas habilidades exigem altos níveis de habilidades perceptivas, cognitivas e motoras. Dietas LCHF por 1-2 anos tem relatos que podem melhorar ligeiramente certas funções cognitivas e estados de humor em adultos com sobrepeso de meia-idade, em comparação com dietas de HCLF.

CONCLUSÕES
As dietas LCHF à longo prazo parecem ser seguras e podem até melhorar vários fatores de riscos metabólicos para doenças crônicas na população em geral. As dietas LCHF são um caminho promissor para ajudar no controle do peso corporal e diminuição de massa gorda, isso enquanto mantém a massa magra em atletas envolvidos em esportes sensíveis ao peso. Está emergindo as evidência de que as dietas LCHF poderiam ser benéficas, particularmente para o desempenho no ultra-endurance. Porém, parece que pelo menos vários meses de adaptação a uma dieta LCHF são necessários para que as mudanças metabólicas e a ressíntese do glicogênio muscular sejam normalizadas.

NA PRÁTICA...
Percebemos que dietas com 20% de Carboidrato ou menos não são sustentadas por muito tempo, e são poucas pessoas que conseguem incorporar efetivamente. Com um meio-termo (30 a 40%) conseguimos uma melhor adesão e alguns atletas percebem benefícios.

Ao adotar uma dieta LCHF temos que levar em conta que a restrição de alguns Grupos Alimentares fontes de carboidrato, que também são fontes de nutrientes importantes para o corpo (vitaminas, minerais, antioxidantes...), pode ser prejudicial para o atleta. Não devemos priorizar a  performance em detrimento à saúde.

Artigo analisado pelo estagiário Igor Pereira (2º semestre/2017)

Low‐Carbohydrate‐High‐Fat Diet: Can it Help Exercise Performance? - Journal of Human Kinetics, 2017










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